
Clementino Junior, cineasta, professor de audiovisual, idealizador e criador do Cineclube Atlântico Negro é um dos nomes que desponta no cinema negro contemporâneo brasileiro. Sua relação com audiovisual vem de berço: ele é filho da atriz Chica Xavier e do ator Clementino Kelé. Mas foi do outro lado da câmera que se firmou na trajetória cinematográfica e já está em seu décimo-sexto filme dirigido.
Tião (2016), com argumento e roteiro de Jeferson Pedro, narra o retorno de São Sebastião à cidade do Rio de Janeiro, agora num corpo negro, interpretado por Hugo Germano. Ele ressurge na Glória, aos pés da estátua do santo e perambula pela cidade: pega o trem até Bonsucesso, passa pelo Complexo do Alemão, Santa Teresa, Sambódromo, Candelária, até retornar de onde veio.
Tião é um filme de rua que prioriza a relação espontânea de seus encontros. As cenas da Central do Brasil, com os passantes reagindo ao personagem, como o senhor que avisa “olha o crakudo aí!”, e a cena dos meninos dançando passinho enquanto um cavalo atravessa a cena funcionam muito bem. Tais encontros inesperados contrastam com o lugar encenado, principalmente quando há inserção do texto em off, que em alguns momentos quebra o ritmo do filme. A escolha sonora de alternar o som ambiente da rua com ruídos intempestivos que marcam o olhar do personagem sobre a cidade conferem um bom andamento à narrativa.
O trânsito do santo pela cidade acompanha a paisagem do subúrbio carioca, onde seu corpo enrijecido vai se soltando pela descoberta dos ritmos dos corpos dançantes. É assim que Tião vai ganhando corpo até aderir-se à rítmica ritual dos tambores e firmar-se no arco que tensiona a flecha de Oxóssi. O transe como lugar de viração e empoderamento de um corpo negro atrofiado pelas mazelas sociais. Mas a violência deixa invariavelmente suas marcas, como as três chagas que sangram em São Sebastião e se perpetuam nos jovens negros assassinados na Candelária.
Tião, com suas chagas, é a alegoria viva da situação de violência colonial do Rio de Janeiro. Tião pode ser qualquer jovem negro que circula pela cidade, passante distraído, ou morador de rua, ou mesmo o índio que flechou Estácio de Sá nas cercanias da Glória, onde justamente ressurge e desaparece o santo.