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10 anos do Encontro de Cinema Negro Zózimo Bulbul, uma edição histórica

Por Janaína Oliveira, curadora convidada do Encontro de Cinema Negro Zózimo Bulbul.

Há dois anos atrás, escrevi em um artigo* que o cinema negro no Brasil era um projeto em construção. Um projeto que, articulado às lutas históricas dos movimentos negros, demandava por mudanças na representatividade negra dentro e fora das telas de cinema no país. Naquele momento, após praticamente três décadas de existência, apontei que o cinema negro nacional finalmente ganhava forma e corpo, despontando ali a força de um movimento. Hoje, dois anos depois, este movimento é incontestável. O que faz desta edição de 10 anos uma edição histórica do Encontro de Cinema Negro Zózimo Bulbul – Brasil,  África e Caribe.

Além da celebração de uma década de atividades, o que é indubitavelmente uma vitória para cultura negra do país diante das dificuldades provenientes do racismo estrutural presente na nossa sociedade, os 10 anos do Encontro de Cinema Negro Zózimo Bulbul representam um marco com respeito à produção de filmes negros brasileiros. Para esta edição, foram inscritos mais de 110 filmes, apontando o crescimento inegável do números de realizadoras, realizadores e coletivos de cinema que afirmam o cinema negro tanto como gênero cinematográfico e quanto espaço de luta política no cenário do audiovisual nacional. São cineastas de todas as regiões do país que, em sua maioria, pertencem a esta nova geração que assumiu para si a responsabilidade de transformação e aumento da presença negra em todos os setores do cinema nacional, tal como expresso reiteradas vezes por Zózimo Bulbul.

Zózimo Bulbul (1937-2013)

Foram selecionados 68 filmes, que fornecem um panorama da diversidade de temas e gêneros que existem na produção negra contemporânea. Das primeiras experiências de realização aos filmes com trajetórias expressivas dentro e fora do país, tem destaque a presença de mulheres na direção de metade dos curtas metragens presentes na Seleção Oficial, apontando o crescente protagonismo das cineastas negras no setor.

“Tia Ciata” de Mariana Campos e Raquel Beatriz

Destaque também para os filmes que foram financiados com os editais afirmativos promovidos pela Secretaria do Audiovisual nos anos de 2012 e 2014, que contemplaram um total de 53 projetos, dos quais 8 estão presentes na programação deste ano. E, ainda que do ponto de vista quantitativo seja consideravelmente pequena a quantidade de cineastas atingidos, do ponto de vista simbólico, as ações afirmativas se mostram não só fundamentais, como urgentes. Pois é no universo dos curtas-metragens que a produção de filmes de diretoras e diretores negras têm se desenvolvido. Assim, com respeito à produção de filmes, a edição de 10 anos traz em seu programa um panorama expressivo do cinema negro brasileiro na contemporaneidade. São filmes que, parafraseando Frantz Fanon, falam da experiência vivida no negro em contextos múltiplos que podem ser compreendidos como reverberações herdadas da escravidão e do colonialismo, mas também que extrapolam tal experiência em formatos, gêneros e estilo, que por vezes interseccionam campos e ultrapassam realidades. Experimentam, ousam.

“Dara” de Renato Cândido

Como nas edições anteriores, a seleção internacional dos filmes transita entre produções da África e da diáspora, desta vez, com ênfase na diáspora afro-europeia. Das produções africanas, 7 longas e 7 curtas metragens, entre ficções e documentários, compõem a programação. São filmes de origens diversas de norte a sul do continente que fazem a ponte entre tradição, história e as culturas contemporâneas. Para compor esta sessão, foram selecionados filmes principalmente que se destacaram nas duas últimas edições do Fespaco – Festival Panafricano de Cinema e Televisão de Ouagadougou, maior festival do continente africano, que acontece bienalmente desde 1969 em Burkina Faso. Parceiro desde o início do Encontro de Cinema Negro, o Fespaco, uma das grandes janelas de exibição de filmes na África, foi fundamental na construção da ponte cinematográfica entre Brasil e África realizada por Bulbul.

“Wulu” de Daouda Coulibaly

Nesta sessão, filmes dirigidos por mulhes africanas merecem particular atenção, pois uma nova geração desponta também no contingente e marca presença no Encontro.

 “Alma” de Christa Eka Assam

 

Por fim, na programação de uma edição histórica não poderia faltar celebrar da memória dos Encontros anteriores. A Mostra Educativa que acontece no Centro Cultural da Justiça Federal, que além de celebrar os 80 anos de Zózimo Bulbul com a exibição de seus filmes, homenageará dois dos cineastas que colaboraram com Bulbul na trajetória de 10 anos do Encontro de Cinema Negro: Mansour Sora Wade, do Senegal, e o brasileiro Joelzito Araújo, ambos parceiros de primeira hora do Encontro e do Centro Afrocarioca de Cinema. Serão 11 dias de filmes e diálogos, uma vez que quase todas diretoras e diretores do Brasil, África e diáspora estarão presentes participando de debates nos dias de projeção e durante o Seminário “Nas Águas do Cinema Negro”.

E que venham os próximos dez anos!

Veja a programação completa, acesse o site do Centro Afrocarioca de Cinema.


*“Kbela” e “Cinzas”: o cinema negro no feminino do “Dogma Feijoada” aos dias de hoje.
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Publicado por FICINE

O FICINE tem por objetivo a construção de uma rede internacional de discussões, projetos e trocas que tenham como ponto de partida e ênfase a reflexão sobre os Cinemas Negros na diáspora e no continente africano.

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