Introdução
“Quando amamos o cinema, vivemos o FESPACO”. Lemos esta frase em uma faixa de rua eternizada em foto de Michel Ayrault[1]. A faixa, afixada em uma rua no centro de Ouagadougou, capital de Burkina Faso, nos fornece uma dica sobre a importância que este Festival possui para o cinema africano: amar o cinema (africano) é viver o Festival Pan-Africano de Cinema Televisão de Ouagadougou. Criado em 1969, o Fespaco é uma parte fundamental na trajetória do cinema africano de tal forma que é possível ter na sua história um fio condutor para entender as diversas nuances, dinâmicas e complexidades que apontam o curso dos acontecimentos que marcam o fazer filmes no continente nas últimas cinco décadas.

Segundo festival de cinema criado na África – o primeiro foi a Jornada Cinematográfica de Cartago em 1966 –, o Fespaco tornou-se já nas primeiras edições o maior do continente. Para que se dimensione o tamanho do evento, na última edição, ocorrida em 2015, foram recebidos 720 filmes, dos quais 134 foram selecionados para exibição durante os sete dias de Festival. As projeções ocorrem da manhã à noite, em salas de cinema no centro e na periferia de Ouagadougou. Além disso, as cerimônias de abertura e encerramento do Festival acontecem no estádio de futebol, com apresentações de dança, música, acrobacias e fogos de artifício. Trata-se de uma festa aberta ao público e que mobiliza toda a capital. [2]
Os acontecimentos que levaram ao surgimento do Fespaco, os cineastas, filmes e países que passam a integrá-lo, os vencedores dos Étalons de Yennenga[3] (prêmios concedidos aos filmes na mostra competitiva), os diversos prêmios distribuídos[4], a aclamação do público, a presença da mídia internacional, enfim, todos os elementos que compõem sua história, têm servido a cineastas, curadores, pesquisadores e estudiosos da temática tanto como um termômetro de tendências cinematográficas quanto de direcionamento das políticas de cultura presentes nos caminhos do cinema continente. Além disto, sua história se conecta diretamente com os acontecimentos e debates no âmbito das políticas do continente, como por exemplo da consolidação e crise do movimento pan-africanista e dos dilemas observáveis nos processos de estabelecimento das nações após as independências. “O Fespaco é um festival que se integra plenamente na evolução do continente”[5].
Neste artigo busco apresentar alguns dos elementos que entrelaçam o desenvolvimento do cinema africano à história do Fespaco, no intuito de montar não só um panorama histórico do Festival mas também para procurar elementos que ajudem a compreender o cenário de desenvolvimento da produção de filmes na África. O caminho aqui escolhido segue a linha de debates que vêm acontecendo em um campo de pesquisa diverso chamado “Estudos de Cinema e Mídia Africanos”. Trata-se de um campo de investigação relativamente recente que se consolida sob o signo do múltiplo, com discursos que buscam abordagens baseadas em referenciais multidisciplinares. Mais especificamente, é um caminho no qual a produção cinematográfica é sempre analisada em uma perspectiva que conjuga os processos de produção de filmes na África com considerações sobre os contextos culturais, políticos e econômicos mais amplos.[6] Em outras palavras, os campos da estética e da história são pensados de forma conectada, sem hierarquias fixas ou pré-determinadas, mas sempre de maneira relacional. Tal como afirma Mbye Cham, um dos maiores especialistas nas cinematografias africanas, quando diz que os filmes africanos “constituem uma forma de discurso e prática que não é só artística e cultural, mas também intelectual e política. É uma forma de definir, de descrever e interpretar as experiências africanas cujas forças modelaram seu passado e seguem modelando e influenciando o presente.” [7]
A opção por pensar de maneira relacional processos estéticos, políticas de produção e distribuição de cinema aliados a contextos históricos, se coaduna também com o escopo das discussões que predominam em parte dos fóruns de cinema que ocorrem no continente e na diáspora africana. Espaços de discussão como, por exemplo, a ABCD (Câmara criada pela Unesco para discussão e fomento dos cinemas de África, Brasil, Caribe e Diáspora, composta por realizadores africanos e afrodiaspóricos) e também nos colóquios que ocorrem por exemplo durante os festivais. Ou ainda nos debates que se passam nos colóquios que o CODESRIA (Conselho para o Desenvolvimento da Pesquisa em Ciências Sociais na África) realiza regularmente durante o Fespaco, visando diminuir a distância existente entre realizadores/as e intelectuais que pensam o cinema africano[8].
Assim sendo, começarei as reflexões aqui propostas a partir do contexto de surgimento do Fespaco, contexto este que coincide com os primeiros tempos do cinema africano. Entender as questões em pauta naquele momento nos ajuda a compreender as dificuldades oriundas do impacto da dominação colonial nos modos de fazer cinema que refletiram de diversas formas nas produções africanas nas décadas subsequentes. Trata-se de compreender, mesmo que brevemente, o momento em que a África não era ainda objeto de si mesma no campo audiovisual, existindo apenas cinematografada pelo olhar europeu e como audiência para filmes estrangeiros.
Para tanto, optei por destacar aqui os momentos iniciais da história do Festival que considero chave nesse caminho que busca compreender o desenvolvimento do cinema africano, a saber: as primeiras edições e o momento da nacionalização da distribuição de filmes e das salas de cinema em Burkina Faso. Este período marca também o início da organização política dos cineastas, com a criação da FEPACI, a Federação Pan-Africana de Cineastas. É no final dos anos 1960 e início dos anos 1970 que, em termos cinematográficos, vemos a expansão do cinema de mégotage, expressão utilizada por Ousmane Sembène para dar conta da produção de filmes cujo objetivo maior era denunciar as mazelas e indigências causadas pela dominação colonial europeia. Para o cineasta senegalês, considerado o pai do cinema africano, a missão do cinema é denunciar e criticar os prejuízos sofridos pelos africanos pela exploração europeia – daí a ideia de mégotage que pode ser traduzido livremente por “mesquinho” ou “avarento” [9]. Esta perspectiva foi predominante nas primeiras décadas do cinema africano e atuou como uma espécie de programa para o desenvolvimento das cinematografias.
Uma última observação sobre a produção bibliográfica a respeito do Fespaco. Ainda que o Festival seja um dos primeiros no continente e o maior de todos que existem na África, muito pouco foi produzido especificamente sobre ele. Na literatura em língua inglesa existem alguns artigos produzidos sobre o Fespaco, com destaque para os escritos de Manthia Diawara, crítico e estudioso do cinema africano natural do Mali e diretor do Departamento de Estudos Africanos da Universidade de Nova York. Há alguma produção em francês, com destaque para o trabalho pioneiro de Hamadou Ouegdraogo intitulado “Naissance et Evolution du Fespaco de 1969 à 1973. Les palmarès de 1976 à 1993”, que infelizmente está esgotado nas livrarias e é raro encontrá-lo em bibliotecas (no Brasil, não há). O estudo recente do historiador francês Colin Dupré, uma tese de doutorado, sobre a história do Festival desde sua criação até 2009, acaba se tornando a obra de referência mais completa sobre o Fespaco na atualidade[10].
Outro fator que também dificulta a pesquisa sobre a história do Festival é a ausência de registros das primeiras edições. Segundo Dupré, entre 1696 e 1979 não há documento nos arquivos do Fespaco, tornando muito difícil a tarefa de contar a história dos primeiros anos, pois no que foi publicado na imprensa há uma série de contradições e lacunas, como se verá.[11] Ao final de sua tese, o historiador faz um balanço das fontes, bibliográficas e de arquivo, que foram utilizadas na qual explicita a ausência de produções sobre o Festival, e afirma que “o Fespaco é ainda em 2009 [ano em que Dupré defendeu sua tese] um território pouco explorado pela pesquisa histórica” [12].
Da África cinematografada à África Cinematográfica
As expressões “África cinematografada, África cinematográfica” foram cunhadas pelo cineasta francês René Vautier e sintetizam as transformações nos modos de produção e circulação das imagens em movimento durante o início da segunda metade do século XX[13]. Em certo sentido, a África cinematografada diz daquele universo de imagens e práticas as quais o realizador se recusou a corroborar quando de seu primeiro contato direto com processo de colonização. Contratado em 1949 pela Liga Francesa de Ensino para fazer uma reportagem sobre a vida nas colônias da França no centro-oeste africano, Vautier, chocado com a realidade que encontrou, se negou a fazer um filme de propaganda colonial (a rigor, a reportagem tinha propósitos pedagógicos). Ao invés disto, realizou um filme de crítica ao sistema, denunciando a violência e abusos sofridos pelos povos africanos nas colônias francesas. Surgiu assim Afrique 50, curta-metragem preto-e-branco com dezessete minutos, feito em 16mm e considerado o primeiro filme anticolonialista feito sobre e no continente africano[14]. A filmagem, montagem e difusão do filme foram feitas totalmente na clandestinidade e Vautier foi punido posteriormente pelo governo francês, tendo sido condenado a um ano e um dia de prisão.
A história de Afrique 50 nos ajuda a compreender as estruturas criadas pelo sistema colonial que justificam o aparecimento tardio do cinema africano na década de 1950[15]. Quando Vautier chega no oeste africano vigorava desde 1934 um decreto regulamentando a produção de filmes nesta parte do continente. Implementado por Pierre Laval, responsável pela estrutura colonial na época, o Decreto de Laval, tal como ficou conhecido, estabelecia que para se fazer filmes era preciso obter autorização prévia do Ministro das Colônias Francesas. Cabia ao Ministro autorizar não só roteiro mas também as pessoas envolvidas na produção, tendo o poder de vetar tudo aquilo que estivesse em desacordo com a perspectiva do colonizador francês.
Diferentemente de Bélgica e Inglaterra – que montaram departamentos para desenvolvimento de limes em suas colônias –, a França, até aquele momento, não havia tomado nenhuma iniciativa de regulamentação do cinema. Para o cineasta Paulin Vieyra, realizador de Afrique sur Seine (1955) primeiro curta-metragem feito por realizadores africanos, esta mudança de atitude ocorre com o fim da era silenciosa do cinema e o surgimento das primeiras trilhas sonoras africanas[16]. Diz Vieyra:
(…) de 1929 a 1938 não se produz nenhuma mudança na consciência europeia imperialista com respeito aos filmes nas colônias. Da parte dos colonizados, as revoltas sucessivas que marcam sua história nesta época atestam desde então a vontade de tomar o destino em suas próprias mãos. Se não houve revolução do lado de lá, a revolução nós a encontramos da parte da técnica cinematográfica. O cinema se tornou falado e a aventura africana será não mais somente visual, mas também sonora.[17]
Segundo Vieyra, foi aí então que a administração colonial francesa decidiu assumir a inteira responsabilidade pelos filmes produzidos na África. Para ele, o Decreto “colocava o cineasta consciente na impossibilidade de filmar um único metro de película”[18]. Ou, como disse o realizador e etnógrafo Jean Rouch, “ainda que a regra não tenha sido nunca aplicada para cineastas franceses, serviu como um pretexto para negar aos jovens africanos, tidos como muito turbulentos pela administração colonial, o direito de fazer filmes.”[19] E ainda que estudiosos do cinema africano afirmem que o Decreto de Laval tenha sido raramente aplicado, atribuem a ele a responsabilidade de ter adiado o início dos filmes africanos da África francófona.
Além da censura da produção de filmes, também a distribuição e exibição das películas eram reguladas pelo governo da França. Assim sendo, mesmo que algum realizador chegasse a concluir um filme, a possibilidade de vê-lo distribuído e projetado em uma sala de cinema local era difícil. Isto porque duas companhias francesas, a Companhia Africana Cinematográfica Industrial e Comercial (COMAICO) e a Sociedade de Exploração Cinematográfica Africana (SECMA) controlavam a distribuição de filmes e os programas das salas de cinema. Assim como organizaram o mercado em três regiões: nordeste, integrada por Senegal, Mauritânia e Guiné, tendo Dakar como capital; região central, composta por Alto Volta (futura Burkina Faso), Níger, Costa do Marfim e Benin, tendo Abidjan como capital; e a sudeste, formada por Camarões, Chade, República da África Central, Gabão e Congo, com a capital em Douala. Com este “mapa” do mercado de cinema estabelecido, COMAICO e SECMA determinavam quais filmes seriam vistos pelos africanos e estes eram basicamente filmes americanos, europeus e indianos. No início de 1960, havia 180 salas de cinema equipadas com projetores para filmes de 35mm nas 14 colônias da França na África. Destas, 85 pertenciam à COMAICO e à SECMA. As demais estavam nas mão da iniciativa privada dominada por sírios e libaneses.
Em tal contexto, em termos do que era assistido predominavam os filmes hollywoodianos. Sobretudo as películas de faroeste. É comum ler nas entrevistas dos cineastas que compõem a primeira e mesmo a segunda geração de realizadores africanos menções ao gênero como aquele que a maioria viu nos primeiros contatos com cinema durante a juventude. A presença de westerns encontra-se também referenciada nos filmes, como, por exemplo, na construção de um dos personagens principais de Touki Bouki, a viagem da hiena, do senegalês Djibril Diop, filme de 1973 que inaugura a vanguarda do cinema africano[20]. Mori, protagonista do primeiro longa-metragem Mambéty, é um vaqueiro que traz em suas roupas o estilo dos vaqueiros de bangue-bangue estadunidense.

Cena de Touki Bouki 1973
Ainda sobre este universo de influências retratado nas telas, merece destaque o filme O Retorno de um Aventureiro (1966), do nigerino Moustapha Alassane, o primeiro faroeste feito no continente. Neste curta-metragem, Alassane faz uma sátira ao gênero ao colocar um grupo de jovens que tentam ser cowboys em uma aldeia no interior do Níger. No filme, há uma crítica à importação de valores estrangeiros e também a vitória da tradição sobre os mesmos. Assim que não resta dúvida na mensagem do realizador neste primeiro filme: ainda que tenham sido formados cinematograficamente com estas imagens, estas não são capazes de dominar por muito tempo as culturas locais.
A vitória, nesse sentido, é africana, ainda que a luta fosse desigual. Tal desigualdade é denunciada no documentário Os cowboys são negros (1967) do francês Serge-Henri Moati, filme que faz uma espécie de making off do faroeste de Alassane. Ao final, em uma cena congelada de O Retorno de um Aventureiro, Moati faz surgir frases que acusam a hegemonia da presença estadunidense nas projeções vistas pelos africanos, diz ele: “a cada ano, 150 filmes americanos (3 por semana) ocupam as telas de 220 salas de cinema da África francófona”.

Cena de Os Cowboys são Negros (1967)
Como se verá mais adiante, essas empresas dominariam a circulação e distribuição de filmes no Oeste africano mesmo após os processos de independências dos países. O monopólio só foi rompido em 1970, quando o governo de Burkina Faso nacionalizou o sistema de distribuição e circulação (ele nacionalizou também as salas de cinema) de filmes no país, servindo como modelo para outros países que viriam a fazer o mesmo nos anos subsequentes. Ainda que as políticas nacionais de audiovisual tenham entrado em colapso posteriormente, vindo mesmo a deixar de existir, esta foi uma etapa fundamental para consolidação do fazer cinema no continente.
Portanto, a África cinematografada é a África presente nas imagens produzidas e reiteradas no âmbito da dominação colonial em suas múltiplas formas. Imagens em consonância com as percepções negativas construídas desde os primeiros tempos do contato do colonizador europeu com o continente, tendo em comum o preconceito inúmeras vezes pronunciado que propalava o caráter não civilizado, para não dizer primitivo, dos povos africanos. Mas também é a África receptora de imagens eurocêntricas[21]. Assim, se por um lado se produziram imagens dos povos africanos de forma negativamente estereotipada, por outro, foram projetadas nas telas tantas outras imagens que reiteravam e glamourizavam como superiores as culturas do ocidente, corroborando assim com a ideologia de dominação colonial.
É contra este universo imagético, marcado por limitações políticas e comerciais, que os precursores do cinema africano se uniram não só para fazer os filmes, mas também para construir modos de distribuição e exibição. Pode-se perceber, portanto, a necessidade que estes homens tiveram de criar espaços para a projeção dos filmes por eles realizados. Estava claro para os realizadores, como também para críticos e cinéfilos, que para mudar este quadro era preciso fazer os filmes mas também criar os modos de exibição e distribuição. Nesse intuito, surge, em 1966, a Jornada Cinematográfica de Cartago (JCC), na Tunísia, e, três anos depois, o Primeiro Festival de Cinema Africano de Ouagadougou, mostra que deu origem ao Fespaco. Feita a descolonização política, era preciso “descolonizar as telas” para usar expressão célebre do crítico de cinema tunisiano Tahar Cheriaa.

Tahar Cheriaa
A temática de descolonização das telas é central para o desenvolvimento do cinema africano. Ela tanto diz respeito aos conteúdos exibidos, isto é, a mostrar filmes feitos por africanos para um público africano, como também ao debate mais amplo sobre os meios de produção e circulação das obras. Trata-se de um embate cultural mas também político e econômico. Tal como destacou o escritor queniano Ngugi wa Thiong’o em um breve artigo intitulado “A descolonização da mente é um pré-requisito para a prática criativa do cinema africano”?[22]
Para Thiong’o inclusive a descolonização das telas era um processo fundamental para a ruptura com as formas de dominação do imaginário, devendo ocorrer em paralelamente à descolonização econômica e, por extensão, tecnológica. Diz o escritor:
O ato da produção, da disponibilidade, a quantidade, a essência do cinema africano, por assim dizer, é sem dúvida, o pré-requisito mais óbvio. É necessário que existam filmes feitos por africanos sobre a condição africana, antes que se possa falar sobre o cinema africano. Os recursos para a produção de filmes, sua distribuição e acessibilidade ao público são fatores indispensáveis para a existência de uma cinematografia. Como no caso da literatura, deve haver quantidade – mais escritores e mais livros – antes que se possa separar o que é bom do que é ruim, o belo do feio, o relevante do irrelevante. Por isso, uma descolonização dos recursos econômicos e da tecnologia é indispensável para mais cineastas africanos, como também uma descolonização do espaço político que permita a criação de um campo democrático para que os cineastas possam confrontar questões importantes, sem medo de retaliações dos governos ou que seus filmes sejam impedidos de alcançar os seus verdadeiros públicos na África. A questão da descolonização das mentes, no entanto, é de igual importância e não pode esperar até que todos os recursos estejam disponíveis[23].
Em breve publicaremos as outras partes do artigo.
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NOTAS
* Este artigo foi publicado integralmente na Revista Odeere, Vol. 1, No 1 (2016): Áfricas e culturas: sociabilidades e política no continente africano.
[1] Ayrault é fotógrafo documental e fez uma série de fotografias sobre o Fespaco entre 1995 e 2007. Colin Dupré, anexou uma seleção destas fotos em seu livro, dentre elas a citada no texto. Ver DUPRÉ, Colin. Le Fespaco, une affaire d’états (1969-2009). Paris. L’Harmattan: 2009.
[2]As cerimônias ocorrem tradicionalmente no Estádio 4 de Agosto, nome dado por conta da Revolução ocorrida em 4 de Agosto de 1983 quando o capitão Thomas Sankara tomou o poder, transformando o Alto Volta em Burkina Faso. Na edição do Festival ocorrida em 2015, no entanto, a abertura e o encerramento do Fespaco ocorreram em um estádio fechado e com segurança redobrada. Isto se deu por conta dos acontecimentos políticos ocorridos em outubro do ano anterior quando um levante popular levou à queda do regime do então presidente Blaise Compaoré que estava há 27 anos no poder. Compaoré foi o responsável pelo assassinato Sankara em 15 de outubro de 1987, era seu amigo de infância e braço direito.
[3] Desde a edição de 1972, o prêmio principal do Fespaco é o Étalon de Yennenga, literalmente, o “Garanhão de Yennenga”. Trata-se de uma estatueta que representa Yennenga, rainha do reino Mossi, montada em seu cavalo. A imagem integra a história da fundação do país, segundo a qual Yennenga teria fugido para região que atualmente é Burkina Faso, para escapar de um casamento ordenado por seu pai, tendo ir buscar abrigo na região de Burkina Faso dando início a uma nova vida e, por extensão, ao país.
[4] Além dos prêmios concedidos exclusivamente FESPACO, os Étalons de bronze, prata e ouro, existem prêmios especiais financiados por instituições ou organizações parceiras. Na última edição, foram 15 prêmios especiais no total concedidos dentre eles por exemplo os da UEMOA (União Econômica e Monetária dos Países do Oeste Africano), o do Canal+, da Unicef, da Royal Air Maroc e o da Guilda de Realizadores Africanos que foi dado pela primeira vez e leva o nome de “Prêmio Thomas Sankara”. A lista dos prêmios especiais pode ser vista em: http://www.Fespaco.bf/fr/actualites/articles/257-palmares-des-prix-speciaux .
[5] Dupré, Op.cit., p.20.
[6] Cf. “Os debates em voga no cinema e mídia africanos abrangem os campos da teoria, histografia e crítica e ainda incluem a questão da articulação cultural, política e econômica”. SANOGO, Aboubakar. “In Focus: Studying African Cinema and Media Today”. Cinema Journal, vol. 54, no. 2, 2015, p.114
[7] CHAM, Mbye “Film and history in Africa: a critical survey of current trends and tendencies”. Disponível em http://www.africanfilmny.org/2011/film-and-history-in-africa-a-critical-survey-of-current-trends-and-tendencies/ (acessado 20 de agosto de 2015).
[8] Nos últimos três edições FESPACO (em 2011, 2013 e 2015, respectivamente) tive a oportunidade de participar tanto dos colóquios do CODESRIA, quanto de fóruns promovidos pelo próprio FESPACO, com conferências, mesas redondas e workshops. Nesses fóruns, é possível perceber muito claramente a conexão entre os processos criativos e questões de ordem política, não só politica de audiovisual, mas as políticas nacionais e transnacionais. Em tempo, é preciso registrar que contemporaneamente poucos países africanos possuem de fato inciativas estatais no âmbito do cinema, Egito, Marrocos, África do Sul dentre estes constituem os exemplos mais consolidados. Recentemente, em julho de 2016, uma iniciativa da Federação Pan-Africana de Cineastas (FEPACI) juntamente com a União Africana criou uma comissão de cinema e audiovisual para elaboração de políticas de incentivo à produção e circulação de filmes no continente.
[9] Sembène é indubitavelmente personagem chave para o desenvolvimento do cinema no continente. O título de “pai de cinema africano” tem a ver com o fato de seu primeiro curta-metragem Borrom Sarret de 1963 ser considerado como o primeiro filme feito por um cineasta negro africano. O interessante é pensar que esse lugar de “pai do cinema africano” foi construído também pela participação política de Sembène na articulação dos cineastas e festivais, no direcionamento mesmo que o cinema deveria ter no continente. Nesse sentido, entender que ele mesmo colaborou para a construção dessa identidade. Nos filmes documentários sobre sua vida e obra podemos ver o modo firme e decisivo de sua atuação neste sentido, como por exemplo nos filmes de Manthia Diawara, Sembène: the making of African Cinema (1994) e de Samba Gadjigo Sembène! (2015).
[10] DUPRÉ, Colin. Le Fespaco, une affaire d’État(s). Festival Panafricaine de Cinéma et Télévision de Ouagadougou (1969-2009). Paris. L’Harmattan: 2009.
[11] Idem, p.93.
[12] Idem, p.357.
[13] “Afrique cinématographiée, Afrique cinématographique” é também o título do artigo de Nicole Medjigbodo citado na bibliografia.
[14] Segundo Steve Ungar, essa atribuição de primeiro filme a Vautier é controversa pois haveria, de acordo com o autor, ao menos dois filmes feitos, ainda na primeira metade do século XX, que teriam essa abordagem anticolonialista. Seriam o primeiro corte “Cruzade Jeune” (1934) realizado por André Sauvage. Sauvage não terminou o filme por conta de sua abordagem simpática à população local e contrária aos interesse da política colonial de filmes companhia produtora e distribuidora Pathé-Nathan. A Cruzade Jeune, cuja história é o cruzeiro dos carros Citroën pela Ásia, foi finalizado posteriormente por Léon Poirier que também dirigiu o Cruzade Noir filme também propaganda da Critroën que se passa no continente africano. O outro filme citado por Ungar é Voyage au Congo, de 1927, dirigido por Marc Allégret. Cf. UNGAR, Steven. “Making Waves: René Vautier’s Afrique 50 and the emergence of the colonial cinema”. L’Esprit Créateur, Vol. 51, no. 3, 2011, pp.34-46.
[15] Tardio se consideramos o fato que o cinema surge na Europa no final do século XIX e já nas primeiras décadas do século XX está presente no continente africano como parte das ferramentas de dominação colonial. Na bibliografia que trata das cinematografias africanas é comum encontrarmos referências ao cinema africano como jovem, temporão ou, como dito por mim, tardio. Como, por exemplo, no título do artigo de Guy Hennebelle, “Afrique noire: les plus jeunes cinémas du monde”(África negra: os cinemas mais jovens do mundo), in RUELLE, Catherine, TAPSOBA, Clement (orgs.), Afriques 50: Singularités d’un cinéma pluriel. Paris: L’Harmattan, 2005, pp 95-100. A este respeito ver também Dupré, Op. cit, p.20.
[16] Afrique sur Seine é considerado o primeiro filme africano, ainda que tenha sido realizado fora do continente, pois foi rodado em Paris por Vieyra em parceira como outros dois jovens senegaleses, Mamadou Saar, Robert Caristan e Jacques Mélo Kane, formando o assim chamado “Grupo de Cinema Africano”.
[17] Paulin Soumanou Vieyra, “Propos sur le cinéma africain”, in RUELLE, TAPSOBA (orgs.), Op. cit, p.53.
[18] Idem.
[19] Jean Rouch “Films ethnographiques sur l’Afrique noir”, apud DIAWARA, Manthia. African Cinema: politics and culture. Indiana University Press, 1992, p. 24.
[20] Touki Bouki, assim como La noire de… de Ousmane Sembène, integram o conjunto de filmes que foram restaurados e digitalizados pela Fundação do cineasta estadunidense Martin Scorsese em um projeto que visa preservar clássicos do cinema mundial esquecidos ou pouco valorizados, o World Cinema Project (http://www.film-foundation.org/world-cinema).
[21] Por imagens eurocêntricas compreende-se também as imagens produzidas em Hollywood, pois segundo Stam e Shohat, ainda que inventado na Europa, foi na indústria cinematográfica estadunidense que esta perspectiva ganhou as proporções hegemônicas que possui. Assim que depois de um certo tempo, em termos de cinema, “eurocêntrico” quer dizer de fato “hollywoodiano”. Cf. SHOHAT, Ella, STAM, Robert. Crítica da imagem eurocêntrica. São Paulo: Cosac&Naify, 2006, capítulo 1.
[22] Ngugi wa Thiong’o, “A descolonização da mente é um pré-requisito para a prática criativa do cinema africano”. In BAMBA, Mohamed. MELEIRO, Alessandra (Orgs.). Filmes da África e da diáspora. Objetos de Discursos. Salvador: EdUFBA, 2012, pp 27 – 32.
[23] Idem, p. 27.