
Puleng Mahlati, Embekweni, Paarl, 2009. Foto de Zanele Muholi
Zanele Muholi nasceu na África do Sul em 1972. Ativista lésbica, a artista ou ativista visual (como prefere se autodenominar) é uma das principais referências do movimento LGBT em seu país ao retratar o que ela mesma chama de sexualidade queer negra (black queer sexuality). Neste e no próximo post falaremos um pouco sobre três de seus principais trabalhos: as séries Faces and Phases, Being e Miss (Black) Lesbian.
A séria Faces and Phases (Faces e Fases) que foi exibida na Bienal de São Paulo de 2010, consiste numa série de retratos em preto-e-branco de jovens lésbicas. Sentadas ou em pé, as mulheres estão localizadas no centro da imagem, olhando diretamente para a câmera (e para nós) e abaixo de cada uma das fotos há legendas com seus nomes e cidades de origem. Tais fotos problematizam processos como os de nomeação, de performance de gênero e da heteronormatividade compulsória atribuída às mulheres negras africanas. De fato, nossas representações sobre África são muito heteronormativas, o que não difere das representações que são feitas de mulheres negras no Brasil marcadas por um grande voyeurismo, pelo fetichismo e pela sobre exposição de uma pobreza limitadora ou redentora. O simples ato de dar nomes às pessoas das fotos, num mundo em que negros e, em especial, os africanos quase sempre são apresentados de modo anônimo e localizar a origem de suas retratadas (numa África, via de regra, vista como homogênea) quebra um circuito sobrecarregado de imagens de controle sobre o corpo e a identidade do “feminino” negro. Não é demais lembrar a importância do processo de nomeação para a constituição da identidade pessoal e social de cada um de nós.
As primeiras fotos da série datam de 2006, as últimas de 2013. E embora todas possam se conformar dentro de uma identidade lésbica, seus olhares, seus nomes e seus modos de manipular o corpo as tornam distintas entre si. O modo de composição da imagem faz com sejamos encarados, que nosso olhar cruze com os olhares das retratadas. A maioria delas está séria, nenhuma sorri escancaradamente. O que faz com que a energia do olhar não se disperse. Este olhar-espelho nos põe como iguais. Na Bienal as fotos foram dispostas de modo a estar na altura de nosso olhar e o tamanho de cada uma (aproximadamente 60cm x 80cm) colocava espectador e fotografado “à mesma altura”. A composição e a montagem das fotos não permitia, portanto, uma grande hierarquização entre espectador e fotografado. Nas fotografias de Muholi, mulheres não são imagens-objeto a serem vistas e facilmente apreendidas. Elas disputam seu significado e nos arrebatam para dentro da cena, nos tirando de um estado de apatia ou deslumbramento.
No próximo post falaremos sobre as séries Being e Miss (Black) Lesbian.
Ver também:
Ser, Representar e Reconhecer. Ativismo visual na África do Sul Pós-Apartheid. Entrevista dada a Luciane Ramos Silva, para o Menelick 2o. ato, publicada em dezembro de 2011.
Sem Identidade Visual não existe Movimento. Jéssica Ipólito para o Blogueiras Negras, em agosto de 2013.