
Terminou no último domingo, a sétima edição do Encontro de Cinema Negro Brasil, África e Caribe / Zózimo Bulbul. Este foi o primeiro Encontro após a morte de seu idealizador, o cineasta Zózimo Bulbul, em janeiro de 2013, cujo nome agora também integra o título do evento. Para os que, como eu, acompanham os Encontros desde a primeira edição em 2007, foi uma alegria ver a continuidade do projeto de Zózimo, fortalecendo a ponte do cinema negro entre o continente africano e a diáspora.
A sétima edição, sob a coordenação geral de Biza Viana, viúva de Zózimo, teve a curadoria de Joel Zito Araújo (Brasil), Rigoberto Lopes (Cuba) e Mansour Sora Wade (Senegal), e contou com a presença de boa parte dos cineastas cujos filmes foram exibidos, incluindo os internacionais. Treze cineastas estrangeiros, dez do continente africano e três do Caribe, estiveram durante estes dias apresentando seus filmes, fazendo palestras e interagindo com o público.
Do nosso lado, entre os realizadores brasileiros, estiveram ativamente presente a nova geração de cineastas, representados por nomes como Viviane Ferreira, Ceci Araújo, Everlane Moraes, Sabrina Fidalgo, Ailton Pinheiro e David Aynan, estes últimos integrantes do Movimento Tela Preta (Tela Preta que é parceiro do FICINE e também levou para participar do Encontro as cineastas Larissa Andrade, Rosyane Silva e Evelyn Sacramento, reforçando a ala jovem do evento). Também estavam por lá com seus filmes, os paulistas Renato Cândido e Luíz Paulo Lima.
Foram ao total 10 dias de evento, onde mais de 40 filmes foram exibidos, entre longas, médias e curtas metragens, e também algumas produções para televisão. Já no dia da abertura foram exibidos dois filmes que anunciavam os bons momentos de cinema que estava por vir: O dia de Jerusa, curta-metragem da jovem realizadora baiana, radicada em São Paulo, Viviane Ferreira e One man show, último longa metragem do diretor nigeriano Newton Aduaka. Tanto Aduaka quanto Viviane Ferreira serão assunto em breve aqui no FICINE, mas por hora adiantamos que os dois filmes exibidos são belíssimos e merecedores de atenção do público, constituindo desde já parte filmografia fundamental de cinema negro na atualidade.
O dia de Jerusa (Viviane Ferreira / 2014)
One man show (Newton Aduaka / 2012)
A homenagem desta edição dos Encontro foi para Cheick Oumar Sissoko, cineasta do Mali que foi Ministro da Cultura em seu país e atualmente é diretor geral da FEPACI (Federeção Panafricana de Cineastas). Os filmes de Sissoko tiveram uma mostra especial durante o Encontro, onde foi possível assistir três longas-metragens deste diretor premiado: Guimba, um tirano, uma época, ganhador do prêmio prêmio principal do FESPACO em 1995; Finzan, filme de 1989 que aborda os dilemas dos casamentos tradicionais no Mali e Gênesis, que conta com no elenco com Sotigui Kouyaté de Salif Keita.
Gênesis (Cheick Oumar Sissoko / 1999)
Sissoko participou da mesa de abertura, falando da história do FESPACO. Comentou acerca das transformações nas premiações deste festival que é o maior do continente e das novas possibilidades que se abrem às produções cinematográficas da diáspora agora que farão parte da seleção oficial do FESPACO, concorrendo com os filmes africanos à conquista do almejado Étalon de Yennenga (nome do troféu principal que tem relação com a história de fundação de Ouagadougou). Disse ainda que Zózimo Bulbul foi figura fundamental nessa mudança de relação entre África e diáspora, sendo elo necessário na construção e fortalecimento e aumento desta ponte. Sissoko falou também da trajetória da FESPACI e da importância da formação dos jovens cineastas para enfrentamento dos desafios contemporâneos do cinema.
E a formação de cineastas foi um dos pontos altos desta edição. Assim que além das projeções, durante sete dias do Encontro aconteceram palestras, cursos de formação, com temas variados. É verdade que todos os anos sempre acontecem seminários e alguns workshops, mas desta vez a ênfase recaiu sobre a especialização voltada para os jovens realizadores e realizadoras tratando não só da história do cinema negro, mas também da viabilização de projetos, parcerias e concorrência em editais. Joel Zito Araújo destacou logo no início dos cursos a necessidade destes jovens realizadores aproveitarem este momento do audiovisual no Brasil onde há um novo campo se abrindo nas televisões com obrigatoriedade da presença negra nas produções. Neste sentido, um dos momentos fortes dos cursos, foi quando um representante da ANCINE esteve presente explicando as especificidades do Programa de Desenvolvimento ao Audiovisual Brasileiro, o PRODAV, que integra o Fundo Setorial do Audiovisual da Agência Nacional de Cinema.
Ainda nestes encontros matinais, mereceram destaque a mesa composta pelas realizadoras africanas ganhadoras de prêmios no FESPACO Pascale Obolo, que estava aqui com seu filme Calipso Rose, e Claude Heffener, diretora de Noir Ici, Blanche lá-bás. O debate, que contou com a mediação da brasileira Carmen Luz, que estava no Encontro também com Um filme de dança, foi intenso, tratando sobretudo da presença feminina no cinema e as dificuldades de produção.
Calipso Rose – The Lioness of the Jungle (Pascale Obolo / 2011)
Noir Ici, Blanche lá-bás (Claude Heffener / 2012)
Um filme de dança (Carmen Luz / 2013)
Outro momento que merece nota, foi a presença pela primeira vez de cineastas de Nollywood, representando a indústria cinematográfica da Nigéria que mais produz filmes na África. Os cineastas, cuja vinda foi possível em virtude de parceria com a Fundação Ford, participaram do debate na manhã de domingo (23/03). Tunde Kelani, um dos mais importantes diretores desse cenário e o jovem Kennety Gyan, diretor de Confusion Na Wa, tiveram também seus filmes apresentados no Encontro na Mostra Nollywood.
Ogunde (Tunde Kelani / 2013)
Na sequência da conversa com os nigerianos, teve vez a mesa composta pela nova geração de cineastas representados ali por Ceci Alves (Velho Rei / 2013), Viviane Ferreira, Ailton Pinheiro (Bikudos /2013) e Anderson Quack (Remoção /2013). Foi um momento importante da interação com os cineastas estrangeiros convidados, pois, infelizmente as diferentes línguas ainda constituem um obstáculo a ser transposto. Aproveitando a presença de um tradutor, a nova geração pode apresentar seus dilemas e perspectivas para o futuro do cinema negro no Brasil.
(Velho Rei / 2013)
Ailton Pinheiro (Bikudos /2013)
Como dito no título deste post, a continuidade do sonho de Zózimo Bulbul de dar ao Cinema Negro um lugar de destaque Brasil, promovendo a ponte, o Encontro, entre cineastas da diáspora e africanos, aconteceu com sucesso. Sempre há o que melhorar e mudar, mas o fato é que os Encontros de Cinema Negro, promovidos pelo Centro Afrocarioca de Cinema, constituem um espaço fundamental para realizadores, produtores, pesquisadores e, sobretudo, para o público brasileiro.
Para o próximo ano, o foco deve voltar-se para a produção da nova geração estadunidense. Aguardemos!
Que venha o VIII Encontro de Cinema Negro Brasil África Caribe / Zózimo Bulbul!
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